quinta-feira, 1 de março de 2012

Um encontro com o Gladiador Cadeirante...

Arquivado em:



Por Anderson Barbosa

Eram pouco mais de cinco anos de emissora e ainda sentia o coração bater forte toda vez que entrava ao vivo em um dos telejornais da casa. Era como se fosse a primeira vez... Dezenas de ensaios, texto repassado, marcação feita com direção de tv, mas na hora que o apresentador me chamava era sempre a mesma emoção.
Os mais experientes dizem que o frio na barriga e a taquicardia são o termômetro do  grau de prazer pela atividade que desempenhamos. Se as emoções desaparecem, já não estamos fazendo com a mesma empolgação de antes.  E mais: O medo de errar – não exagerado – serve para aprimorar nosso trabalho e buscar fazê-lo cada vez melhor.
Em dezembro de 2011, tive a primeira experiência de fazer um ao vivo dentro de um estúdio. Na verdade era um dia de estréia para uma turma no programa Viva Esporte (Tv Sergipe): Ana Fontes (repórter  – com anos de bagagem na reportagem geral - faria as entradas ao vivo no esporte – área que ela não domina); Tâmara Oliveira (repórter – que iria apresentar o programa cobrindo as férias da apresentadora Lanne Pacheco); Thiago Barbosa (editor de texto, o qual faria sua estréia  como editor-chefe); e eu (repórter da geral, mas que sempre estava a disposição do esporte) farias as intervenções na entrevista e seria o responsável por fazer as perguntas enviadas pela internet pelos telespectadores, no lugar de Marcelo Carvalho – também em férias.
Como quase tudo em jornalismo é na base do improviso, só fui comunicado pela chefia de redação da estréia no estúdio um dia antes, sob a justificativa que seria a “melhor” pessoa para contribuir na entrevista que abordaria um assunto relacionado a pessoa com deficiência, em comemoração ao dia 3 de dezembro.
Confesso que estúdio nunca me empolgou, mas senti uma certa satisfação.  Porém, estar nas ruas ouvindo pessoas além de ser mais prazeroso torna-me mais  eficiente no trabalho. Acredito que lugar de repórter é na rua, é onde tudo acontece, histórias surgem, temos um contato mais próximo com as pessoas, o retorno do nosso trabalho, as críticas que nos chegam e ajudam no crescimento profissional. Isso sem falar nas amizades que entre uma pauta e outra acabam surgindo. Muitas vezes ouvimos coisas do tipo: “você é mais feio pessoalmente” ou “vigi como ele é magro”, mas isso é um mero detalhe ( Atire a primeira pedra jornalista de tv  que nunca viveu situação semelhante? Se bem que muitos já deve ter ouvido: “vc é mais bonito pessoalmente”, já ouvi também, mas em menor escala... rss).
Voltando ao dia de estréia no estúdio ao vivo, as horas que antecederam o programa foram de muita ansiedade, nervosismo, medo de errar. Por alguns instantes, o incentivo de colegas mais experientes trazia uma certa tranquilidade, só que era momentânea, e logo vinha a sudorese, a fala rápida, a taquicardia. Tâmara Oliveira estava mais preparada. Dias antes tinha feito piloto (gravação para simular o programa, uma espécie de ensaio), acompanhou a edição das matérias e estava com uma lista de perguntas - para em caso de esquecimento – serem utilizadas pela dupla. Mas tanto ela, quanto eu era só orações feitas entre a redação, camarim, sala de espera dos entrevistados e o estúdio. A turma do estúdio era só incentivo, colocando só força e fé. Eles estavam mais confiantes que nós (rss).
Quem me conhece sabe o quanto a ansiedade me atrapalha. Quando penso que está tudo tranquilo, lá vem a bendita para causar seus estragos. O bom é que tenho contornado (eu acho rss). Trinta minutos antes do programa entra no ar, já vestido a caráter e maquiado, foi conhecer os entrevistados: Maria Gilda (cadeirante, atleta de vários modalidades esportivas) e Ulisses Freitas (cadeirante, também atleta de várias modalidades).



Fonte: arquivo pessoal

Na pré-entrevista a conversa fluiu (e se repetiria depois no estúdio)... Senti mais confiança e percebi que o tempo reservado para a entrevista de estúdio seria pequeno para tanto assunto e histórias a seres mostrados ao telespectador. Mais uma vez, na minha jornada como jornalista, tive a oportunidade de conhecer um exemplo de superação, Ulisses Freitas. História que compartilho nas próximas linhas contadas em primeira pessoa:

-Tenho 32 anos, casado, pai de um filho de 8 anos, sempre fui apaixonado por esportes, jogava futebol e capoeira, antes de adquiri a lesão medular e ficando paraplégico, sou o filho mais velho de seis Irmãos homens, de família humilde, mas com muito caráter.
No ano de 2008 eu (Ulisses Freitas) e meu Irmão (Arquimedes) entramos para a Polícia Militar do Estado da Bahia e fomos para cidade de Paulo Afonso no 20º Batalhão. Nos finais de semana voltávamos para nossas casas. Sempre andávamos dentro da Lei e com prudência. Além de visitar a família nos finais de semana, tinha um Projeto Social de nome “Capoeirando na Escola”, dava aulas de capoeira e debatia assuntos (violência, alcoolismo, drogas etc) com alunos da rede pública de ensino, crianças entre 06 e 14 anos.

Ulisses Freitas, um exemplo de superação


No dia 22 de agosto de 2008 quando voltávamos para nossas casas, em uma moto, como de costume, aconteceu!  Fomos atropelados por um Sargento (este preso várias vezes por se envolver em brigas devido ao alcoolismo) que nos arremessou 40 metros depois do choque, parando no acostamento da contra mão.
Arquimedes (meu Irmão) com traumatismo já estava inconsciente, eu com várias dores, fraturas, escoriações, e já não sentia minhas pernas, depois foi diagnosticado a lesão na medula onde até hoje estou numa CADEIRA DE RODAS, mesmo assim não perdi a consciência, não perderá a consciência em momento algum. E tive de ouvi o deboche do “Sargento” que ao sair do carro foi a frente e exclamando, bradou: “Porra meu irmão o que você fez com meu carro? você amassou o meu carro!”. Infelizmente no dia 28 de agosto do ano de 2008 Arquimedes faleceu, não suportou os ferimentos, deixando familiares, amigos, esposa e principalmente sua maior alegria sua filha Eulália que só tinha 2 anos.

Ulisses Freitas, que assina no Facebook como Gladiador Cadeirante, teria sua vida mudada após a tragédia. Sem o irmão, ele teria que vencer outra batalha a de viver numa cadeira de rodas:

-No meu primeiro internamento fiquei 4 meses, sendo 22 dias na UTI, passando por 6 cirurgias. Sair do hospital numa cadeira de rodas e cheio de problemas de saúde. No mês de abril de 2009 tive que voltar para o mesmo hospital, desta vez com uma infecção no osso da coluna (osteomelite crônica) e passei por mais 4 cirurgias, agora  por um período maior: mais 7 meses internado, com alta hospitalar só em novembro de 2009.

Superada mais essa batalha, o nosso Gladiador Cadeirante viveria um drama ainda maior: a aceitação de não ter na cadeira de rodas uma parceira inseparável. Mas foi na ausência do irmão que Ulisses encontrou forças pra seguir:

- Apesar da dor da perda do meu Irmão, hoje as coisas estão diferentes, sei, tenho certeza que meu Irmão quer que eu viva, que conquiste o mundo por ele e por todos nós, ele é meu combustível. Sempre fui um esportista, logo percebi que Bebidas alcoólicas (que usava até o ano de 2005) não combinavam com esporte, e assim optei pelo esporte, capoeirista, e nos momentos de lazer amante do futebol. Mas o destino prega peças e com isso, estando numa cadeira de rodas, logo veio: a dor e sofrimento pela perda de uma pessoa amada, a revolta de não poder andar, o ódio da cadeira de rodas, a vontade de não viver (suicídio), a depressão, a prisão sem muros (minha casa), momentos triste, que hoje dou risadas, por sorte passei rapidinho por cada fase infeliz que todos, mas todos mesmo passam, e alguns deficientes físicos ficam presos em alguma fase, agradeço a Deus e depois a meu Irmão por passar por todas essas fases e hoje ser o que sou:  uma pessoa mais feliz do que antes, a cadeira de rodas hoje abriu as portas do mundo, sou muito mais feliz, adoro minhas cadeira de rodas.

Fonte: arquivo pessoal


E ele segue:

- Encontrei forças principalmente em meu Irmão Arquimedes, minha esposa, meu filho, Irmãos na família em geral e nos amigos, e vi no esporte algo a mais a se fazer, novos desafios, limites a serem ultrapassados, o Basquete sobre cadeira de rodas foi o primeiro, hoje jogo pela equipe o CIEP-SE onde representamos o Estado de Sergipe, fui para o atletismo (corrida), mas como todo esporte tem suas dificuldades, no para-esporte as dificuldades são maiores. Não consegui uma cadeira de rodas de corrida, e com essa frustração comprei uma Hand bike - uma bicicleta com propulsão nas mãos - e hoje estou entrando forte no ciclismo (handcycle), onde estou me preparando para a Copa do Brasil em SC e o campeonato brasileiro em Brasília, vejo no esporte individual a chance de ser o primeiro sergipano a ganhar um titulo mundial e participar da paraolimpíadas de 2016, espero que o governo e empresários vejam a oportunidade e me deem chance de treinar e vencer.
Carrego algumas frases do Gladiador que é o lema de nossa família: “O que fazemos na vida, ecoa na eternidade” –Gladiador. E outras, que sempre quando estou competindo fico repetindo e pensando nos familiares , amigos e meu Irmão: “Limites todos nós temos, deficiência esta na cabeça de quem a pensa” - Ulisses Freitas; “Não tenho medo de cair, terei medo de um dia não ter forças de levantar” - Ulisses Freitas

Ulisse Freitas é do Basquete do Ciepe/SE



3 comentários:

  1. Não fazia idéia do quanto esse dia tinha sido importante para você. Também foi muito importante para mim, foi a minha primeira Entrevista ao Viva Esporte.

    " O que incomoda não é ser Diferente é sentir-se Diferente. É o olhar de pena e desprezo que a sociedade lança para as pessoas com deficiência. É o grito para chamar atenção de um povo indiferente que cada um de nós carregamos no silêncio de nossos corações. Sinta-se incomodado e lute para mudarmos nossa realidade "

    ResponderExcluir
  2. Belos depoimentos, tanto o seu, Anderson, quanto do meu amigo Ulisses, parceiro de basquete e que agora divide o gosto pela handbike. Vamos em frente!

    ResponderExcluir